“Desafio de transformação não é tecnológico, mas cultural”

Publicado originalmente no Meio & Mensagem

Uma temporada de pouco mais de três anos na McKinsey trouxe algumas percepções que determinaram os passos subsequentes de Marcelo Tripoli: uma é a de que sua principal vocação enquanto profissional é a de empreender, outra é a de que as queixas sobre a relação entre agência e cliente são, frequentemente, as mesmas. Inspirado a resolver essas fricções a partir da experiência prévia à frente de negócios próprios, assim como a vivência em consultoria, lançou a Zmes. Prestes a completar dois anos de operação, a agência — que conta com Claudio Loureiro, fundador e presidente da Heads; Helio Rotenberg, fundador e CEO da Positivo Tecnologia; e Miguel Krigsner e Artur Grynbaum, respectivamente fundador e CEO de O Boticário, como sócios-investidores — atende a clientes como Eudora, iFood e Raia Drogasil.

Meio & Mensagem — Depois de ter fundado duas agências e ter trabalhado na McKinsey, o que percebeu sobre a relação entre cliente e agência?
Marcelo Tripoli — A Zmes não existiria sem eu ter passado por essa experiência de consultoria, porque quando se está no dia a dia, não há o distanciamento para olhar o todo, a floresta. Na McKinsey, participei de trabalhos de estratégia para grandes anunciantes no mundo inteiro em que uma parte do escopo era entender qual o formato ideal de contratação e remuneração de agências. A principal reclamação é a de que a relação é transacional. O anunciante sente que a agência está numa relação cliente-fornecedor e não atua como parceira estratégica, que entende a dor do negócio e é incentivada pela remuneração. E a agência reclama que o cliente não dá acesso a dados estratégicos, que é tratada como fornecedor operacional, tático. Os motivos são multifatoriais, mas com certeza um fator é o contrato de trabalho que tenta comoditizar e colocar o trabalho de comunicação como qualquer material produtivo que uma empresa compra. O fato de existir uma mudança de paradigma em torno de como fazer um bom trabalho de comunicação — e de muitas agências estarem estruturadas para o modelo anterior — não ajudou. Do lado do anunciante, existe a percepção de que agências estão presas a um modelo anterior e não conseguem evoluir na mesma velocidade do consumidor. O consumidor vai na frente, anunciantes correm atrás e agências estão mais atrás ainda. Do lado da agência, o cliente não dá esse espaço, pois o tipo de contrato, de incentivo e de indicadores se colocam como impeditivos.

M&M — De que maneira a Zmes endereça esses problemas na prática?
Tripoli —
Na planilha que uma agência coloca em um contrato para o cliente, há um exército de pessoas que estão ali com 10% ou 23%. O que significa ter 23% do tempo de alguém? Os times da Zmes são menores em quantidade, mas são 100% dedicados. A liderança é compartilhada, mas são squads dedicados e multidisciplinares, o que significa que não temos departamentos. Mesmo dentro das agências o nível de colaboração era muito baixo: atendimento pega o briefing, passa para o planejamento, quase uma linha de produção. Nossa crença é a de que isso não extrai o melhor da criatividade. Dentro do squad que trabalha para o iFood, tem mídia, criação, BI, todos trabalhando juntos. Mas o conhecimento técnico é especializado, então, para isso, temos centros de excelência para cada área. Uma vez por semana, todos os mídias de todos os squads se reúnem, por exemplo. Com isso, funcionamos como uma matriz em que todos os funcionários têm duplo report, um para o squad leader e outro para o centro de excelência. Esse modelo é das consultorias e das empresas de tecnologia dos EUA. É uma estrutura mais fluida, que combina o conhecimento técnico e o do negócio.

M&M — A Zmes consegue trabalhar com clientes de uma mesma categoria, como fazem as consultorias?
Tripoli —
A gente faz isso, não temos exclusividade com nenhum cliente nosso. Até porque atuamos no plano de estratégia, que não passa pela comunicação do cliente. Então, nem faz sentido ser impedido de trabalhar para uma mesma indústria. Já atuamos para mais de um banco concorrente. O que a gente faz é um trabalho forte de confidencialidade das informações e de não compartilhar os times e os recursos.

M&M — Como a empresa estabelece a remuneração junto aos clientes?
Tripoli —
Nossa remuneração é sempre um híbrido. Tem uma parte fixa e uma parte baseada em indicadores combinados com o cliente, pode ser de vendas, de margem, de lucro da operação, de ganho de market share. Quando a gente entra em um cliente, os primeiros dois eeses são usados para definir esses indicadores. Só trabalho por contratos anuais, não acredito em job a job. Uma das coisas que deteriorou a relação das agências com clientes é a brevidade delas. A intimidade e a construção da relação do dia a dia fazem com que o time aprenda e entregue um trabalho melhor. Meus times entregam melhor no quarto mês do que no primeiro. Existe uma curva de aprendizado e a gente explica para o cliente que é importante esse trabalho de desenvolvimento lado a lado. Raia Drogasil foi nosso primeiro cliente e está conosco até hoje. É impossível uma agência ser estratégica de verdade atuando em um job. Se o cliente espera apenas uma ideia criativa, pode ser que funcione. Mas, no nosso caso, em que mexemos na jornada do cliente, é impossível fazer isso no job a job. Alguns projetos demoram meses para serem implementados. E quando ganho uma conta, vou ao mercado contratar as pessoas e o cliente participa do processo, o que é interessante, porque ele se compromete com a escolha das pessoas. A Eudora queria pessoas com experiência prévia em beleza, então trouxemos uma pessoa da Sephora, entrevistada e aprovada pelo próprio cliente. O nível de comprometimento é diferente. É uma transparência que não acontece sempre.

M&M — Como vocês conseguem conciliar a busca por esses times com a dificuldade de atrair talentos?
Tripoli —
Quando a gente fecha um contrato, começamos a operar depois de um ou dois meses. No meu modelo é impossível o cliente fechar comigo hoje e eu começar a trabalhar na semana que vem. A gente só consegue cumprir o prazo porque temos um processo de recrutamento estruturado. Não recrutamos somente quando ganhamos um cliente, estamos
sempre entrevistando, pelo menos 20% do tempo dos gestores é dedicado a isso. Apesar de ser uma startup, queremos construir uma reputação no mercado para que as pessoas saibam por que escolheram a Zmes. Nossa proposta de valor é aceleração e formação de carreira. Todo funcionário passa por mais de 100 horas de treinamento. Todo mundo, do estagiário ao diretor, tem de estar formalmente aprendendo alguma coisa. Temos uma área de learning chamada de Zmes Academy, que é um conjunto de trilhas de conhecimento. É uma cultura de consultoria em que os sêniores têm missão de treinar os juniores. Se eu mostrar um job description da
Zmes hoje e buscar uma pessoa que tenha 100% dos skills ali descritos, não contrato ninguém. A gente contrata sabendo que a pessoa está com parte do conhecimento requisitado e que irá aprender o restante.

M&M — Você diz que a Zmes se insere no conceito de pós-agência. A Zmes é uma agência, afinal? E o que é ideia de “pós-agência”?
Tripoli —
A gente não sabia se ia chamar a Zmes de agência ou consultoria, até porque a imprensa começou a falar disso como se fosse um binômio. Acho pouco relevante, porque cada vez mais o cliente precisa de alguém que entenda do negócio dele e seja estruturado, que entenda de digital em nível profundo e entenda de criatividade. A Zmes é uma empresa
de prestação de serviços profissionais de marketing que ajuda a destravar crescimento e rentabilidade para os clientes. Para Eudora, fazemos always on e redes sociais, compramos e operamos mídia para We Work, iFood, Raia Drogasil. Fazemos coisas tipicamente de agência, mas 50% do nosso trabalho não vejo agências fazendo. Fazemos personalização em escala. Não vejo agências regularmente olhando base de dados de vendas, fazendo correlações estatísticas e depois transformando isso em um algoritmo e implementando em réguas de CRM dentro da Salesforce. É um trabalho de comunicação, porque tem pensamento user centric, tudo começa a partir do olhar sobre a jornada do consumidor. É um redator que vai escrever o texto do SMS. Mas não é um trabalho possível sem tecnologia. O Z da Zmes significa três coisas: conhecimento de negócio, criatividade e tecnologia. Essas três áreas precisam trabalhar em harmonia, nenhuma é mais importante do que a outra. A gente tem uma missão grande de embalar os melhores profissionais de negócios diferentes, que hoje estão fragmentados no mercado. Se você é bom apenas de insight, de craft, de filme, de produção, está deixando de usar uma série de outras capacidades.

M&M — Mas as agências estão expandindo suas capacidades para além da comunicação, não?
Tripoli —
A criatividade continua sendo mola propulsora crítica na nossa indústria e o trabalho criativo das agências é muito bom na média, é que não se trata somente disso. Entendo algumas agências terem mais dificuldade em fazer esse movimento de expandir seus serviços,
porque nasceram com modelo de negócios em que a remuneração é muito baseada na compra de mídia. Economicamente é difícil de uma hora para outra cobrar o serviço do cliente para justificar a contratação de engenheiros de dados, cientistas de dados, consultores de BI. Já escutei de muitas agências que não conseguem cobrar certos serviços. É um pouco de minsdet do próprio cliente, que se acostumou a pagar do “jeito A” e quer manter dessa maneira. Quando o cliente me coloca para negociar com a área de compras dele, não negocio. Posso até conversar, mas se quiser que meu diretor de arte custe o mesmo que você paga para outra agência, não entro nessa discussão. Estou aqui para discutir qual resultado vou gerar em receita. Dizíamos na McKinsey que éramos uma value creative company que não podia ser avaliada por custo, e sim pelo valor que ela gera. O modelo da Zmes é igualzinho: queremos que eventualmente o cliente rompa com a gente porque não entregamos o resultado esperado, não porque a gente custa caro ou barato. E tudo tem de ser mensurado, algumas agências também têm a oportunidade de evoluir nisso. A gente é obcecado pela mensuração. O dashboard não é sobre engajamento, esses indicadores puros de comunicação são importantes, mas não suficientes para fazer um cliente assinar um cheque de milhões para uma agência. Isso acontece se o cliente chegar na meta de margem de lucro dele. Essa é a língua que a gente fala e que tem feito a gente ganhar respeito dos clientes.

M&M — Zmes é uma palava eslovaca que significa mistura. De que maneira a operação apresenta essa mistura?
Tripoli —
É uma mistura cultural. Trabalhando para grandes empresas, a gente vê que o desafio da transformação digital dessas empresas não é tecnológico. O desafio é cultural. A gente faz projetos para reorganizar os clientes, isso envolve mudar a cultura. Desde o começo quis criar uma cultura de mistura, de empatia cruzada entre pessoas de diferentes experiências profissionais e acadêmicas. Temos pessoas formadas em Engenharia Mecatrônica, Ciências Políticas, Letras. Uma parte considerável da minha energia está em fazer essa cola acontecer de verdade, porque se deixar no automático, a tendência é essas pessoas se voltarem para a zona de conforto e andarem com as pessoas com quem têm mais afinidade. Quando as pessoas se abrem, começam a fazer conexões. O mercado de agências se ultra especializou, lá atras tinha online e off-line, mas hoje piorou, porque tem agência de performance, de Influenciadores, de PR, de CRM, de e-commerce. Muitas vezes, o cliente tem dez agências em uma única reunião e nenhuma delas está alinhada e interessada a colaborar entre si. Há uma frustração dos clientes que é fruto dessa ultra especialização.

M&M – A Coca-Cola é um exemplo de anunciante em um caminho de simplificação das entregas de marketing e o WPP, em resposta, criou uma operação customizada, a Open X…
Tripoli —
Diria que operação customizada de holding é o que estamos fazendo aqui. Somos uma empresa que trabalha como se fosse uma holding. Dentro do nosso microcosmo, a gente opera como uma tailor made do WPP, da Publicis ou da S4. O próprio Martin Sorrell comprou
um monte de agências e juntou tudo em uma só. O cliente quer junção, só que juntar agências que já existem é mais difícil do que já nascer assim. Quando a gente fala em pós-agência, é porque nascemos com premissas que o mercado está tendo de convergir. É igual comparar banco digital com tradicional, que está pegando sistemas legados e tentando unir tudo. Somos o Nubank das agências porque não temos o legado, não dependemos da remuneração antiga e exigimos do cliente uma relação lateral.

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